Notícias

Concursos para titulares de cartórios provocam troca de acusações
Titulares aprovados em todo o país dizem que houve favorecimento sobre o número de pós-graduações para definir pontuação e cobram explicações

Brasília – Os concursos para titulares de cartórios em todo o país se transformaram em troca de acusações e suspeitas de irregularidades e favorecimentos entre candidatos, tribunais estaduais, Ministério da Educação (MEC) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O embate tem como base fatos que passaram a ser conhecidos como “farra das pós”, que se referem a candidatos com pontuação máxima na prova de títulos (nota 10), que apresentaram certificados de 10 ou 20 pós-graduações, simultaneamente concluídas em seis meses ou um ano. 

Há estatísticas que provam que isso seria impossível. Para cumprir a carga horária mínima exigida pelo MEC (360 horas), essas pessoas precisariam estudar, pelo menos, 20 horas por dia e desembolsar entre R$ 25 mil e R$ 100 mil, no período, para arcar com as despesas. No edital, não havia impedimento para que as notas das pós (0,50 cada uma) fossem acumuladas. Mas diplomas de mestrado e doutorado valiam, no máximo, um e dois pontos, sem permissão de acumulação. 

Na prática, desembargadores, juízes, professores universitários, com notório saber, experiência jurídica e acadêmica dentro e fora do país, perderam espaço, apesar do elevado desempenho nas provas oral e escrita. 

No concurso para o Tribunal de Justiça de Rondônia, por exemplo, a primeira colocada, a procuradora da República em Recife Andrea Carneiro, após os títulos caiu para o 34º lugar. O desembargador Francisco Queiroz sai do 3º para o 60º lugar. 

“Eu me sinto prejudicada. Já fiz vários concursos e o que sempre valeu foram as provas. Esse tipo de contagem é injusto. Infla a nota de pessoas que fizeram curso por correspondência e se aproveitaram de uma brecha na lei. Queremos que esses títulos sejam investigados e sua idoneidade checada”, afirmou Andrea. “Foram seis anos no doutorado, dois anos e meio na Alemanha. Todo esse esforço vale dois pontos. Esse pessoal, com três, quatro especializações da pior qualidade, já me ultrapassa”, disse Alexandre Scigliano Valério, registrador de imóveis em Minas, que caiu do 4º para o 60° lugar.

De acordo com o advogado Marcos Silva, o problema é que o CNJ deu decisões desencontradas. “É uma confusão de interpretações. Permitem que, em alguns estados, a quantidade absurda de pós-graduações seja aceita. Em outros, elas são negadas. E nos dois casos, os argumentos para vetar ou sancionar são os mesmos. Difícil entender”, criticou. 

Pedido de controle
O advogado Ricardo Bravo, colega de Marcos no concurso para o TJ/RO, vai mais longe. Entrou com pedido de controle administrativo no CNJ, com dois questionamentos: culpa o MEC pela morosidade nas respostas, quando indagado sobre fiscalização e validade do credenciamento das universidades que as concede; e os tribunais, por não terem observado a limitação de carga horária incompatível com a realidade. “As notas não fazem sentido. Se esse candidatos são tão especializados assim, por que não tiraram altas notas nas provas? Por que não se conhece nenhum trabalho científico deles? Perguntei a um desses em que ele era especializado. Ele nem soube dizer o que tinha realmente estudado”, acusou Bravo. 

A secretária de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, Marta Abramo, admitiu “que é impossível concluir 10 ou 20 pós em tão curto espaço de tempo”. Segundo ela, no entanto, a pasta não faz controle prévio dos cursos. “Em caso de denúncia, podemos fazer revisão”, afirmou, ao reforçar que os certificados de pós têm validade acadêmica caso sejam ofertados pelas instituições de ensino superior credenciadas e obedeçam às exigências de duração de 360 horas, corpo docente com 50% de mestres e doutores e defesa presencial de tese.

Julgamento

Dos 126 processos pautados para julgamento hoje no Supremo Tribunal Federal, 18 se referem aos concursos para cartórios. O advogado Ricardo Bravo fez um dossiê provando que, desde 2010, vários desembargadores apontavam que, no concurso “havia um verdadeiro comércio para obtenção dos títulos”. 

Tudo começou, disse Bravo, em junho de 2009. O CNJ, por meio da Resolução 81, regulou os certames. Definiu várias normas, mas não citava quantitativo para as pós, o que abriu a porta para manipulação, em busca de vantagens. Percebendo a lacuna, em 2014, o CNJ editou a Resolução 187, estabelecendo apenas o acúmulo de duas especializações. “Antes, porém, já no segundo semestre de 2013, todas as decisões do CNJ reconheciam a farra das pós, decidindo, por vezes, contra a acumulação, com o propósito de evitar as aberrações anteriores, como ocorreu no Rio de Janeiro; por vezes reconhecendo que não poderia mudar as regras, em nome da segurança jurídica, mantendo as mesmas aberrações”, disse.

Em nota, o CNJ admitiu que a tendência é facilitar a vida dos detentores de pós.” A regra não é retroativa. Por isso, não há possibilidade de refazer contagem de títulos de concursos já concluídos, porque isto afetaria o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquiridos, que são conquistas constitucionalmente asseguradas”, esclareceu o CNJ.

Com colaboração de André Magalhães

Fonte:http://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2014/09/16/interna_nacional,569301/concursos-para-titulares-de-cartorios-provocam-troca-de-acusacoes.shtml