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Nota Técnica nº 8/2009

Nota Técnica nº 8/2009

(Publicada no DJ-e nº 98/2009, em 17/6/09, p. 43-46)

COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO LEGISLATIVO

NOTA TÉCNICA N. 8/2009

Ref.: Complementa a Nota Técnica que trata da
Proposta de Emenda à Constituição nº 471/2005

I – RESUMO DA PROPOSTA

1. A Proposta de Emenda à Constituição n° 471/2005 teve por finalidade original autorizar a efetivação de interinos à frente de serventias extrajudiciais mais de cinco anos antes da promulgação da norma gestada, pelo que se sugeriu a alteração do texto do § 3º do art. 236 da Constituição Federal de 1988.

2. Após debates e abertura de prazo para emendas, a proposta ganhou Substitutivo oferecido pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, com a seguinte redação:

“Art. 1° O art. 236 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4° e 5°:

?Art.236………………………………………………………………………………….
§ 4° A criação, desmembramento, desacumulação ou extinção de serventias se dará por lei de iniciativa do Tribunal de Justiça do respectivo Estado ou do Distrito Federal e Territórios, observada a respectiva viabilidade econômica.
§ 5° A inobservância do prazo fixado no § 3° deste artigo importará a prática de ato de improbidade administrativa nos termos da lei.`

Art. 2° Fica outorgada a delegação da titularidade dos serviços notariais e de registro vacantes àqueles que se encontrarem respondendo em caráter interino pelas respectivas funções na forma da lei há no mínimo cinco anos ininterruptos contados da data de promulgação desta Emenda Constitucional.”

3. Ocorre que, posteriormente, ainda na Comissão Especial, o texto do substitutivo proposto pelo Relator sofreu nova alteração, não considerada na Nota Técnica nº 5/2008, passando a proposta, renomeada para PEC 471-A/2005, a contar com a seguinte redação, aprovada na Comissão Especial e que aguarda deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados:

“Art. 1º. O art. 236 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte § 4º:

“Art. 236. ……………………………………………………………………………………..
§ 4º. A inobservância do prazo fixado no § 3º deste artigo importará a prática de ato de improbidade administrativa nos termos da lei. (NR)”

Art. 2º. Fica outorgada a delegação da titularidade dos serviços notariais e de registro àqueles designados substitutos ou responsáveis pelas respectivas funções até 20 de novembro de 1994 e que, na forma da lei, encontrarem-se respondendo pela serventia há no mínimo cinco anos ininterruptos imediatamente anteriores à data de promulgação desta Emenda Constitucional.”

4. Em outras palavras, pretende a PEC 471-A/2005 efetivar nas serventias, sem concurso público, os atuais responsáveis e substitutos dos cartórios, desde que (i) tenham sido designados interinamente até 20 de novembro de 1994 e (ii) se encontrem respondendo por ela por mais de cinco anos ininterruptos, contados da data de promulgação da Emenda Constitucional cogitada. Fundamenta-se a proposta na constatação de omissão prolongada do Poder Público que estaria prejudicando aquelas pessoas que se dispuseram a colaborar com o Estado enquanto as vagas não eram providas por concurso público. Enxerga na proposta uma maneira de combater tal inércia estatal.

5. Reunida, deliberou a Comissão de Acompanhamento Legislativo elaborar a presente Nota Técnica Complementar para evitar qualquer interpretação distorcida de seu posicionamento anterior.

II – ANÁLISE COMPLEMENTAR

6. A PEC 471-A/2005, na redação final aprovada no âmbito da Comissão Especial criada na Câmara dos Deputados, ao pretender afastar a necessidade de concurso público para os atuais responsáveis e substitutos de serventias extrajudiciais designados em caráter precário, caminha na contramão dos princípios regentes dos sistemas de recrutamento de pessoal para atuação direta ou delegada pelo Poder Público. Como se sabe, impera aqui o princípio da compulsoriedade do concurso público como única maneira constitucionalmente adequada para provimento das serventias extrajudiciais. Tal idéia arranca desde a noção de isonomia (CF, art. 5º, caput) e a conjugação dos princípios constitucionais fundamentais da Administração Pública, arrolados no caput do art. 37 (legalidade, publicidade, impessoalidade, eficiência e moralidade), passa pela universalidade da regra da aprovação em concurso público para todos os Poderes e em todos os níveis da Federação brasileira (CF, art. 37, II e § 2º) e culmina na regra específica do § 3º do art. 236 da CF que abre, como única singularidade, a possibilidade de provimento de serventias por remoção (provimento derivado), mas ainda exigente de concurso.

7. O Supremo Tribunal Federal, maior guardião judiciário da autoridade da Constituição, possui entendimento pacificado sobre a matéria, já havendo declarado a inconstitucionalidade de diversos atos normativos – em especial textos constitucionais estaduais – que direta ou indiretamente conduziam à inobservância do postulado constitucional[1], para reafirmar a exigência inafastável de provimento de qualquer função pública, efetiva ou delegada, mediante a prévia aprovação em concurso público. À guisa de ilustração vejam-se os seguintes precedentes.
“CARTÓRIO DE NOTAS. Depende da realização de concurso público de provas e títulos a investidura na titularidade de serventia cuja vaga tenha ocorrido após a promulgação da Constituição de 1988 (art. 236, § 3º) não se configurando direito adquirido ao provimento, por parte de quem haja preenchido, como substituto, o tempo de serviço contemplado no art. 208, acrescentado, à Carta de 1967, pela Emenda nº 22, de 1982.” (STF, 1ª T., RE 182.641/SP, GALLOTTI, j. 22.8.95, DJU 15.3.96).
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. VACÂNCIA NA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EFETIVAÇÃO DO SUBSTITUTO. Inexistência de direito adquirido ao favorecimento do art. 208 da CF/67 (redação da EC 22/82). Precedentes do STF. Regimental não provido (STF, 2ª T., RE-AgR 302739/RS, JOBIM, j. 19.3.2002, DJU 26.4.2002, p. 87)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA. EFETIVAÇÃO DE SUBSTITUTO NO CARGO VAGO DE TITULAR, NOS TERMOS DO ART. 208 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. REQUISITOS. CONTAGEM DO TEMPO DE SUBSTITUIÇÃO E ESTAR EM EXERCÍCIO NA SERVENTIA AO TEMPO DA VACÂNCIA DO CARGO. 1. A Emenda Constitucional 22, de 29 de junho de 1982, assegurou a efetivação do substituto da serventia, no cargo de titular, quando vagar, àquele que contasse, a partir de sua vigência, ou viesse contar até 31 de dezembro de 1983, cinco anos de exercício, nessa situação de substituto, na mesma serventia. 2. O serventuário substituto. Ascensão à titularidade do cargo, cuja vacância ocorreu na vigência da Constituição do Brasil. Direito adquirido. Inexistência. Precedentes. Agravo regimental não provido (STF, 2ª. T., RE-AgR413082/SP, EROS, j. 28.3.2006, DJU 5.5.2006, p. 37).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO: DESCABIMENTO: Acórdão recorrido que, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal, decidiu que o substituto de serventia não tem direito adquirido a ser investido na titularidade, quando a vaga surge após o advento da Constituição de 1988. Precedentes (STF, 1ª T., AI-AgR 545173/SP, PERTENCE, j. 9.5.2006, DJU 2.6.2006, p. 8)
RECURSO. EXTRAORDINÁRIO. PROVIMENTO. EFETIVAÇÃO NA TITULARIDADE DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PACAEMBU. VACÂNCIA OCORRIDA NA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 236, § 3º. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. A investidura na titularidade de Serventia cuja vaga tenha ocorrido após a promulgação da Constituição de 1988 depende de concurso público de provas e títulos (STF, 1ª T., RE-AgR 252313/SP, PELUSO, j. 9.5.2006, DJU 2.6.2006, p. 12)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA. OFICIAL DE REGISTRO. 1. A investidura na titularidade de Serventia cuja vaga tenha ocorrido após a promulgação da Constituição de 1988 depende de concurso público de provas e títulos. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (STF, 2ª T., RE-AgR 527573/ES, EROS, j. 8.5.2007, DJe 28, de 31.5.2007)

8. Este Conselho Nacional de Justiça também se manifestou inúmeras vezes a respeito, valendo destacar os seguintes precedentes:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONCURSO PÚBLICO EM SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTOS DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. De acordo com o § 3º do art. 236 da Carta Política de 1988, o ato de delegação de serventias extrajudiciais deve recair sobre aprovado em concurso público. Em face da decisão plenária exarada nos autos do PCA 395, determina-se que os tribunais requeridos apresentem, no prazo de trinta dias, relação de delegações efetuadas após a vigência da Constituição Federal de 1988, com a respectiva forma de provimento (se oriunda de concurso público ou não), instaurando-se Procedimento de Controle Administrativo para os Tribunais que não observaram a regra constitucional ou que não prestaram as informações (CNJ – PP 845 – Rel. Cons. Germana Moraes – 12ª Sessão Extraordinária – j. 22.05.2007 – DJU 04.06.2007).

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NAS ATIVIDADES CARTORIAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE. Prazo fixado pelo CNJ para o Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe editar provimento que regulamente a realização do concurso público questionado. (CNJ – PP 379 – Rel. Cons. Ruth Carvalho – 23ª Sessão – j. 15.08.2006 – DJU 01.09.2006 – Ementa não oficial)

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. EDIÇÃO DE NORMA PELO CNJ. DESNECESSIDADE. SOLUÇÃO PONTUAL DE CASOS CONCRETOS. INSTAURAÇÃO DE PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS PARA AVERIGUAR SITUAÇÕES DE TRIBUNAIS. DEFERIMENTO EM PARTE. I) Ficam prejudicados os pedidos de obediência ao art. 236, § 3º, da CF/88, atinentes aos Tribunais de Justiça dos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins, diante da existência de norma já editada nesse sentido, bem como terem as mencionadas Cortes envidado esforços no sentido do comando constitucional. II) Com respeito ao Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, devendo ser instaurado e distribuído livremente o respectivo Pedido de Providências, por inobservância da regra constitucional do § 3º do artigo 236, segundo a qual “o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”. III) Mostra-se inoportuno o pedido de edição de ato normativo para obrigar os tribunais a realizar concursos de serventias que vagarem após a edição da CF/88, tendo em vista que a imensa maioria dos Tribunais de Justiça está atuando em conformidade com o comando constitucional do art. 236, § 3º, de modo que, eventual recalcitrância deverá ser pontualmente analisada por este Conselho. IV) Pedido de Providências parcialmente provido. Prejudicados os demais pedidos (CNJ – PP 845 – Rel. Cons. Jorge Maurique – 57ª Sessão – j. 26.02.2008 – DJU 18.03.2008)

9. Releva ressaltar, assim, o descompasso histórico da proposta de efetivação de interinos na Administração Pública, pois vulnera, de modo escancarado, preciosos princípios constitucionais do Estado de Direito protegidos até mesmo contra o poder reformador do poder constituinte derivado (art. 60, § 4º, IV da Carta Magna). A acessibilidade dos indivíduos à titularidade das funções públicas, incluídas as delegadas, traduz, ademais, a concepção democrática do Estado brasileiro, representada, neste ponto, pela possibilidade aberta a qualquer cidadão para assumir as importantes funções notariais ou registrais. Esta, aliás, corresponde a uma das chaves dos modelos democráticos: a inexistência de obstáculos juridicamente infundados para a concorrência de todos os postulantes de funções públicas.

10. A clareza do texto constitucional, ao fixar o tempo máximo de seis meses para provimento das serventias extrajudiciais vagas, desmorona qualquer argumentação de socorro às situações subjetivas dos substitutos precariamente designados, pois assumiram a função sabedores de que a duração de seu serviço estaria condicionada à conclusão dos certames públicos a que, diga-se de passagem, poderiam, obviamente, concorrer.

11. Doutro lado, pouco importa se a proposta de efetivação abarca interinos mais (em atuação há mais de cinco anos da promulgação da emenda em gestação) ou menos recentes (em atuação desde, no mínimo, 20 de novembro de 1994). Nosso Direito não convive com a possibilidade de aquisição de cargos ou funções públicas por uma espécie anômala de usucapião com o único propósito de driblar a saudável e republicana exigência universal da aprovação em concursos públicos como única via de acesso a tais postos.

12. O ponto remanescente da proposta merece também censura, mas de outra ordem: ao qualificar como ato de improbidade administrativa a demora injustificada no provimento das serventias extrajudiciais vagas por mais de seis meses, a proposição soa desnecessária. Afinal, é discutível a necessidade de tanto empenho na formação de consensos majoritários significativos no Parlamento, impostos para a revisão do texto constitucional, somente para assegurar o enquadramento da omissão das autoridades judiciárias no provimento de serventias extrajudiciais nas sanções reservadas aos atos de improbidade administrativa, eis que a respectiva legislação em vigor abarca, como não deveria deixar de ser, também os atos do Poder Judiciário (Lei nº 8.429/92). A proposição, portanto, constitucionaliza, ineditamente, no texto constitucional, hipótese específica de improbidade administrativa.

IV – CONCLUSÃO

Em conclusão, em complemento à Nota Técnica nº 5/2008, opina a COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO LEGISLATIVO pela rejeição da PEC 471-A/2005 ou, ao menos, da solução preconizada no art. 2º do texto definitivo aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados.

Aprovada a Nota Técnica pelo Plenário deste Conselho, encaminhem-se cópias desta aos Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, aos Presidentes das Comissões de Constituição e Justiça do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, à Casa Civil da Presidência da República e à Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

Brasília, 28 de abril de 2009.

Conselheiro ANTONIO UMBERTO
Presidente

Conselheiro RUI STOCO
Membro

Conselheiro FELIPE LOCKE CAVALCANTI
Membro